Quando a guerra não foi mais como um simples jogo
quando o medo fez mais cedo um outro escuro
e o futuro se fez logo ali, dobrando
eu vi, amiga: era tarde
Quando o mundo foi além do meu quintal
quando a vida foi jornal e não história
e a memória fez a contramão do dia
eu vi, amiga: era tarde
Quando o vento não me fez abrir os braços
ao abraço sideral de estar voando
e a pandorga me fugiu sem dizer quando
eu vi amiga: era tarde
Quando o guarda que dormia nos brinquedos
pôs o dedo no olhar da minha pressa
e quis ver o que a vida fez de mim
eu vi amiga: era tarde
Quando a noite foi algema no meu sono
e eu, de dono, fui escravo de um relógio
e no pulso pus dilema e cotidiano
eu vi amiga: era tarde
Quando o tempo foi julgado em outra lei
e a tristeza me beijou, tão natural
nas paredes, no vazio fundo da casa
eu vi amiga: era tarde
Muito tarde.
Jaime Vaz Brasil
(poeta, psiquiatra e diretor cultural do Instituto Fernando Pessoa)
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